KIA SOUL EV EUROPEAN ELECTRIC TOUR | CRÓNICA BY GLÓRIA & MANOLO #14

Enfrentar criaturas antropomórficas, não é a minha especialidade

Embora a nossa rota estivesse direcionada para os países bálticos, rompemos o “protocolo” e demos uma escapadela à cidade mais cultural dos fiordes, a cerca de 600 km a oeste. Ao contrário do que pensávamos, a Noruega, não é um exemplo de mobilidade elétrica, nem um exemplo de defesa de ambiente, como tanto se apregoa no sul da Europa. A Noruega não é só Oslo e em certas zonas, os carregadores são escassos ou inexistentes.

Estudamos o percurso e contávamos com um “posto de abastecimento” instalado no parque do mini-mercado do Sr. Joker, em Sørkjosen. A app da Mapcharger garantia que era um carregador de 22 kW com tomada tipo 2, o mesmo que dizer que em cerca de 3 horas tínhamos carga suficiente para alcançar, tranquilamente, a ilha de Tromsø, pela E8.

Quando chegamos ao mini-mercado do Sr. Joker, parecia o “Em busca do tesouro”. Por um lado, nós à procura do famigerado carregador, por outro, três jovens alemães, finalistas do curso de jornalismo, que chegaram praticamente ao mesmo tempo que nós num BMW i, numa viagem semelhante à nossa, a partir Munique, num total de 3600 km.

Perguntei ao Sr. Joker pelo carregador. A resposta foi no mínimo curiosa. “O carregador juntava muitos carros aqui. Era sempre uma confusão. A Tesla propôs-me substituir o carregador pelos seus próprios carregadores e eu aceitei”. Resultado: agora, o Sr. Joker, não tem confusão nenhuma no parque do seu mini-mercado mas tem seis elegantes carregadores, quase sempre vazios.

Os jovens jornalistas alemães, que tinham a autonomia do seu “i” nas lonas, optaram por ficar e ligar a ficha a uma tomada normal (média de carregamento: 10 km por hora) e apanhar uma seca de uma boa meia-dúzia de horas. Nós arrancamos. Também não tínhamos autonomia para chegar a Tromsø pela estrada nacional e aceitamos a sugestão dos “jovens camaradas”, que já tinham previsto na sua rota apanhar o ferry de Olderdalen para Breivikeidet e de seguida outro para Tromsø. Com uma boa gestão, estávamos convencidos que Tromsø estava ao nosso alcance, à justa, mas estava. Não estava!

Primeiro, porque do porto do primeiro ferry até ao porto do segundo, distava uma distância considerável. No intervalo dos dois ferry’s ligamos a ficha a uma tomada de uma casa de banho pública. Em cerca de uma hora ganhamos 9 km. Insuficiente. Segundo, porque do porto de Tromsø à cidade propriamente dita (onde estavam os carregadores) a distância era mais de 50 km. Não tínhamos autonomia suficiente. Numa primeira fase, tentamos encontrar um hotel que nos deixasse recarregar durante a noite. Mas, quem é que ia fazer um hotel naquele ermo? Com cerca de 12 km de autonomia, não tínhamos escolha e só nos restava voltar para o porto e tentar encontrar uma tomada.

No cruzamento onde decidimos fazer a inversão de marcha, deslumbramos um stand de automóveis com as luzes exteriores da casa acesas. Resolvemos ver se havia alguém e pedir ajuda para ligar a ficha a uma tomada. O cenário era desolador: a vivenda central que supostamente seria o escritório do stand, parecia ter sido alvo de um furacão. Os carros estavam enterrados na lama, havia lixo por todo o lado e o local ficava num vale escuro, lamacento (esta sensação de andar sempre com os pés molhados, é terrível), rodeado por imutáveis montanhas cobertas de neve.

Não havia ninguém. Dei uma volta à casa e encontrei uma tomada. Não perdi tempo, estendi a extensão laranja e liguei a ficha à tomada. Os indicadores do Soul iniciaram de imediato a desejada intermitência de carregamento. Mantive-me maior parte do tempo fora do carro à espera que chegasse alguém. De vez em quando, passava um carro, abrandava, observava e seguia para a aldeia, um conjunto de casas a cerca de 1 km, onde não se via vivalma.

Entretanto, ia ensaiando o discurso caso o dono aparecesse e me acusasse de abuso e invasão de propriedade privada. Tinha razão. A reação era imprevisível e eu só pensava que às tantas estava na iminência de enfrentar uma abominável criatura antropomórfica, vinda do vale escuro com aranhas sanguíneas, azuladas e salientes, olhos vermelhos de raiva e uma moto-serra para me esquartejar ainda vivo, ou pior, com um enorme machado, menos tecnológico, mas mais cruel.

O frio era tanto que me meti dentro do carro. A páginas tantas, sobressaltamo-nos: um carro parou à frente do stand. Sai rapidamente do carro para enfrentar o suposto “Troll”, mais por medo do que por coragem. Da carrinha, saiu um homem de estatura média, magro, corte de cabelo à escovinha, que se manteve imóvel, com as mãos nos bolsos. Antecipei-me: Boa tarde, é o dono desta propriedade? Cumprimentei-o e expliquei-lhe atabalhoadamente a nossa situação, pedindo-lhe desculpa pela invasão… O senhor, sorriu e respondeu: “Não tem problema, fez muito bem”.

Em conversa, ficamos a saber que o stand tinha sido vítima de um desabamento de terras da montanha e que estava à espera do perito de seguros para avaliar os estragos. O proprietário do stand de automóveis, que nunca cheguei a perceber o nome, disse-nos ainda que foi ali por acaso. A mulher tinha ido à cidade, de boleia com uns amigos ver um jogo de futebol à cidade, e como ele não ligava muito a futebol, não foi e ficaram de se encontrar ali, para regressar a casa.

Passados alguns momentos, parou uma carrinha onde vinha um senhor já com alguma idade, um jovem e a senhora com um cachecol, ao pescoço, com as cores do Tromsø Club. O senhor, dono do stand, que eu nunca cheguei a perceber o nome, descreveu rapidamente a nossa história, todos se riram e no final, desejou-me uma boa noite. E, nós conseguimos chegar a Tromsø.

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