KIA SOUL EV EUROPEAN ELECTRIC TOUR | CRÓNICA BY GLÓRIA & MANOLO #9

O sonho, a Suécia e o Soul EV

(Parte I)

A paisagem escandinava é essencialmente rural, com explorações agrícolas muito bem organizadas, limpas, celeiros com telhados repletos de painéis solares e belos pastos verdes onde as vaquinhas ruminam tranquilamente. Como diria um ex-presidente da República famoso pelas suas citações: “Até parece que estão a rir”. Grandes produtores de leite e produtos lácteos, os escandinavos, particularmente, os dinamarqueses exportam os seus produtos para todo o mundo, onde estes produtos são essenciais e raros como no continente africano.

Na Europa, de barriga cheia, os movimentos extremistas por tudo e por nada ganham força e as vaquinhas estão na mira dos que repudiam o consumo do leite, que mata a fome a milhões e milhões de crianças, em todo o mundo. O leite é um alimento rico em nutrientes, no entanto, o principal alvo dos ataques ao leite é a presença de lactose. Os detratores do leite esquecem-se de referir que a lactose existe tanto no leite das vaquinhas como no leite humano. É verdade que o leite tem lactose mas, segundo os especialistas, ainda bem. A presença da lactose no leite tem um objetivo nutricional, uma vez que fomenta a absorção de cálcio e de fósforo no intestino e atua como agente anti-raquítico. Além disso, tudo indica que estes seres vivos são inquilinos da Terra há muito mais tempo que nós. Este ia sendo o tema de conversa dentro do Soul EV, enquanto resistíamos a um enfadonho troço de autoestrada sueco.

E, talvez por isso, uma destas noites sonhei com vaquinhas. Um sonho irrequieto e apocalíptico: um pesadelo. As pessoas deixaram de beber leite, os úberes das vaquinhas (caso não saiba, exigem duas ordenhas diárias) inchavam tipo balões de ar quente e as vaquinhas ascendiam ao céu, sustentadas no ar. O céu estava cheio de vaquinhas de pernas para o ar, suspensas pelos úberes gigantescos. As pessoas olhavam para o céu e só viam vaquinhas a planar. Mesmo os milhões de crianças que deixaram de receber a pequena dose de leite em pó para a sua sobrevivência não tinham força para levantar a cabeça mas deitavam-se no chão e olhavam para o céu estarrecidos. Ao luar a sombra das vaquinhas era projetada no chão e as pessoas tentavam, desesperadamente, tocar-lhe, embora não passasse de uma ilusão.

A queda de bosta era cada vez mais frequente e atingia todos: crianças, mulheres, novos e velhos. O mundo não é perfeito e de, vez em quando, uma vaquinha chegava ao limite e explodia.

Acordei sobressaltado, com suores frios e demorei alguns instantes a situar-me. Estava na Suécia. Embora fossem 4 horas da manhã, a luz do dia batia-me à janela, aproximei-me e vi duas vaquinhas num prado, num quadro de harmonia e simbiose entre animais e a natureza. Uff que alívio…

(Parte II)

A natureza fragmentou a terra e as águas do Báltico infiltraram-se por todo o lado criando muitas ilhas. A Suécia tem mais de 100.000 ilhas e outras tantas pontes. Atravessar este país nórdico de “norte a sul” dá-nos uma perspetiva do país real. Para os povos do sul, a Suécia é sinónimo de bom gosto, design minimalista, educação, civismo e organização. É verdade.

Mas também há o reverso da moeda. Como dizia a minha avó, os suecos não são flor que se cheire, talvez por causa da chamada depressão de inverno. A população é pouco social e introvertida. Até se diz na galhofa: Qual é o pior pesadelo de um sueco? Que alguém entre no elevador. Até mesmo o encontro com amigos tem que ser planeado com semanas de antecedência. Espontaneidade é coisa rara, por estes lados. Viajar de Soul EV, desde Portugal até à Noruega sem hotéis marcados mexe com o sistema nervoso dos suecos. Deixamos de o referir.

Felizmente, estamos nos últimos dias do degelo, as temperaturas variam, durante o dia, entre os 12º e os 15º (ontem às 8 horas da noite, os termómetros registavam 2º), o céu pinta-se de azul e o sol está meio-envergonhado, mas o suficiente para as suecas exibirem os seus biquínis nos jardins das casas. Com o espevitar do sol os suecos andam felizes e são simpáticos.

A sul de Estocolmo o país é verdejante. A norte da capital surgem as grandes florestas, quase impenetráveis, de pinheiros e bétulas, as tundras árticas, onde a matéria orgânica misturada com os nutrientes das águas do degelo fortalecem os solos, regeneram a flora e favorecem a fauna mas são os lagos que reclamam o protagonismo. Já observamos alces, veados e lebres árticas (enormes) e garantem-nos que nas montanhas não florestadas do norte se podem ver ursos.

Nesta altura do ano, a paisagem não é inóspita, mas é severa, rude. Surgem paisagens deslumbrantes sempre com os lagos como pano de fundo, explorações agrícolas e pequenas comunidades com o seu porto de pesca ou barcos de recreio. Incongruentemente, numa das aldeias onde pernoitamos a televisão chegava com mau sinal e “net” nem pensar. Um pescador que mascava tabaco, hábito muito popular na Suécia, disse-nos que “talvez para o verão melhorassem o sinal da televisão”.

(Parte III)

Nem todos são loiros e de olhos azuis e nem todos falam inglês. O país profundo é muito diferente da perceção que temos da Suécia. Este conhecimento faz parte do nosso ADN e é a grande diferença entre turistas e viajantes. A noite passada depois de, pela primeira vez, cumprirmos o objetivo de percorrer 500 km diários, o que nos levou a subir a média para 13,4 kWa por cada 100 km, pernoitamos em Pitea. Uma pequena cidade de 22.000 habitantes, localizada na província de Bótnia Setentrional. O sueco, naturalmente, é a língua oficial mas a maioria da população não fala inglês e prefere comunicar em pitamês (um dialeto local). Quando chegamos, por volta das 21 horas, o nosso hotel estava fechado. Valeu-nos uma jovem que ia a entrar no hotel indicar-nos que tínhamos de ir a outro hotel fazer o check-in. Mas assim sem mais nem menos perguntou-nos: o que é que andam a fazer por aqui?

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